Eça de Queirós

A "Intertextualidade" em O Primo Basílio.


Ao ler “O Primo Basílio” notória foi a semelhança entre a protagonista Luísa e a personagem Ema, da obra “Madame Bovary”. Eça de Queirós, é sabido, usou como base para a sua criação o romance de Flaubert e essa afirmação se consente a medida que são apresentados ao leitor os traços de Luísa, as suas idéias, gostos, amores e, também, seu desfecho no enredo.

Ambas personagens são levadas a uma “queda” por razões muito semelhantes. O fim trágico tanto de Ema quanto de Luísa, têm a mesma origem: o ócio em que vivem; o gosto pela leitura; a predileção e o deslumbramento com as histórias romanescas e a não aceitação da vida mundana, sem muitas emoções. Comum também é a edificação de ambos os romances em torno do adultério, e claro, a sua idêntica consequência.

Muitos autores se beneficiam da intertextualidade, fazendo adaptações e releituras dos clássicos, usando-os com liberdade e criatividade para novas criações, o que possibilita ao leitor encontrar familiaridade de certos trechos, lidos em obras diferentes.

Esse “processo de criação” utilizado por escritores, pode ser constatado por meio de comparação. Para confirmar minhas observações, destaquei trechos semelhantes encontrados nas obras "O Primo Basílio" e "Madane Bovary".


O Primo Basílio...

Era a Dama das Camélias. Lia muitos romances.p20

Havia uma semana que se interessava por Margarida Gautier; o seu amor infeliz dava-lhe uma melancolia. p20

Davam-lhe a idéia de uma outra existência mais poética, mais própria para os episódios do sentimento. p57



Madame Bovary....

Emprestava às mais crescidas algum romance que levava sempre no bolso do avental, e do qual ela própria devorava alguns capítulos nas horas vagas. p32

Teve verdadeiro culto por Maria Stuart e veneração entusiástica pelas mulheres ilustres ou infelizes. p32

[...]porque tinha um temperamento mais sentimental que artístico, procurando emoções e não paisagens. p32



Esse artifício de criação utilizado por Eça chamou a atenção do seu "concorrente e rival", Machado de Assis, em 1878. Em sua crítica “O Primo Basílio”, Machado acusa Eça de Queiroz de plagiar os autores Zola e Flaubert, pondo em discussão a originalidade e o estilo de Eça de Queirós.

Quanto à acusação de plágio, vejo uma releitura adaptada, feita por Eça, das obras de autores que lhe inspirava respeito e admiração e o uso das situações convenientes como suporte à sua criação. Servindo-se de Zola ou Flaubert, Eça tem direito á seus próprios méritos.

Embora o escritor brasileiro tenha sido um pouco austero com o seu colega português, em alguns pontos a crítica de Machado parece-me justa e merecedora de atenção. Quando se refere às descrições desenfreadas feitas por Eça de Queirós, sei a que Machado de Assis faz alusão. O exagero de detalhes usado por Eça para descrever lugares ou situações, muitas vezes torna-se irritante.

A exemplo, cito o capítulo XIII quando, finalmente, Luísa conseguirá se desvencilhar, com a ajuda do amigo Sebastião, da empregada Juliana e suas chantagens. Aqui, o ápice da história está para revelar-se e o autor preocupa-se em descrever o teatro, as roupas e os lugares onde estavam sentados os personagens, chegando a descrever, gratuitamente, a peça a que esses assistiam. Demoradamente, o leitor vagueia pelas descrições fúteis que nada acrescentam a história, senão impaciência ao leitor, que anseia o clímax da narrativa.

Relevante também é o apontamento de Machado à protagonista Luísa: “Luísa não tem pessoa moral. Há nela ausência de caráter, o que implica o predomínio do incidental sobre o essencial”. Mais uma vez, mérito a Machado de Assis.


Tamanha é a falta de caráter de Luísa que ela é manipulada por todos. Luísa perde lugar no enredo para a empregada Juliana, que ganha muito mais importância na história, chegando a ser a única “personagem perfeita” da obra. Carrega, Juliana, a representação do realismo de que Eça diz pertencer. Tem verdadeiros motivos para agir como age, para ser como é e para sentir o que sente.

Análise psicológica dos personagens, racionalidade, objetividade, visão pessimista do mundo. São essas as principais características do realismo, e, na obra de Eça, apenas Juliana se encaixa nestas características, pois os personagens criados pelo autor não são tão bem delineados como os locais em que vivem, andam ou sonham estar.

Rivalidades a parte, não tenho eu eficiência para criticar obras ou autores, mas enquanto leitora , tenho o direito a opinião. Acredito, e não tenho tal pretensão, que não desrespeito o mestre Eça de Queirós com minhas palavras. Todo o autor, bem como sua obra, merece ser honrado e a prova de minha consideração é ter me dedicado a leitura de seu trabalho.



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Comentários

  1. Sem desmerecer por completo a crítica de Machado de Assis, que tem alguns pontos pertinentes (ainda que discutíveis) a sua acusação de plágio foi bastante infeliz, até mesquinha. De resto, foi categoricamente desmentida pelo próprio Eça, num prefácio à edição de 1880 de "O Crime do Padre Amaro":

    """O Crime do Padre Amaro recebeu no Brasil e em Portugal alguma atenção da critica, quando foi publicado ulteriormente um romance intitulado O Primo Basílio. E no Brasil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se aduzir nenhuma prova efectiva) que O Crime do Padre Amaro era uma imitação do romance do sr. E. Zola - La Faute de l'Abbé Mouret; ou que este livro do autor do Assomoir e de outros magistrais estudos sociais sugerira a ideia, as personagens, a intenção de O Crime do Padre Amaro. Eu tenho algumas razões para crer que isto não é correcto.

    O Crime do Padre Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns amigos em 1872, e publicado em 1874. O livro do sr. Zola, La Faute de l'Abbé Mouret (que é o quinto volume da série Rougon Macquart), foi escrito e publicado em 1875. Mas (ainda que isto pareça sobrenatural) eu considero esta razão apenas como subalterna e insuficiente. Eu podia, enfim, ter penetrado no cérebro, no pensamento do sr. Zola, e ter avistado, entre as formas ainda indecisas das suas criações futuras, a figura do abade Mouret…
    O que, segundo penso, mostra melhor que a acusação carece de exactidão, é a simples comparação dos dois romances…

    Os criticos inteligentes que acusaram o Crime do Padre Amaro de ser apenas uma imitação da Faute de l'Abbé Mouret não tinham infelizmente lido o romance maravilhoso do sr. Zola, que foi talvez a origem de toda a sua glória. A semelhança casual dos dois titulos induziu-os em erro. Com conhecimento dos dois livros, só uma obtusidade córnea ou uma má fé cinica poderia assemelhar esta bela alegoria idilica, a que está misturado o patético drama de uma alma mistica, ao Crime do Padre Amaro, que, como podem ver neste novo trabalho, é apenas, no fundo, uma intriga de clérigos e de beatas tramada e murmurada à sombra de uma velha Sé de província portuguesa."


    Além disso Zola era um admirador de Eça, o que dificilmente aconteceria se este último tivesse feito carreira a copiar obras dele.

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  2. Caro senhor. Sem dúvida que Eça foi um plagiador. Tenho um livro onde mostra a par e passo não só os autores de onde ele «tirou a ideia» e que são muitos e não só Balzac ou Flaubert, também Dumas e em breve lhe mandarei exemplos em francês e português dos verdadeiros plágios.
    Claro que Eça escreve lindamente mas se calhar era falho de ideias. Apenas o estilo era único. Até breve.

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