Eduardo Galeano, outras










Mostro o Mundo para Vocês

Darwin costumava citar as anotações de James Colman.
Ninguém descreveu melhor que ele a fauna do oceano Índico,
o céu do Vesúvio em chamas,
o fulgor das noites da Arábia,
a cor do calor de Zanzibar,
o ar do Ceilão, que é de canela,
as sombras do inverno de Edimburgo
e o cinzento dos cárceres russos.
Precedido por seu bastão branco, Colman deu a volta ao mundo,
de ponta a ponta.

Aquele viajante, que tanto nos ajudou a ver, era cego.
- Eu vejo com os pés - dizia.

Eduardo Galeano. Espelhos, p.211


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Fundação Literária do Cão

Argos foi o nome de um gigante de cem olhos e de uma cidade grega há quatro mil anos. Também se chamava Argos o único que reconheceu Odisseu, quando chegou, disfarçado, a Ítaca.

Homero nos contou que Odisseu regressou, ao final de muita guerra e muito mar, e se aproximou de sua casa fazendo-se passar por um mendigo enfermiço e andrajoso. Ninguém se deu conta de que ele era ele. Ninguém, salvo um amigo que não sabia mais latir, nem podia caminhar, nem sequer se mover. Argos jazia, às portas de um galpão, abandonado, crivado pelos carrapatos, esperando a morte.

Quando viu, ou talvez farejou, que aquele mendigo se aproximava, levantou a cabeça e abanou o rabo.

Eduardo Galeano, Espelhos,p.43


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Fundação do Machismo

De uma dor de cabeça pode nascer uma deusa. Atena brotou da dolorida cabeça de seu pai, Zeus, que se abriu para lhe dar à luz. Ela foi parida sem mãe. Tempos depois, seu voto foi decisivo no tribunal dos deuses, quando o Olimpo teve que pronunciar uma sentença difícil. Para vingar seu pai, Electra e seu irmão Orestes haviam decepado, de uma machadada, o pescoço de sua mãe.

As Fúrias acusavam. Exigiam que os assassinos fossem apedrejados até a morte, porque a vida de uma rainha é sagrada e quem mata a mãe não tem perdão. Apolo assumiu a defesa. Sustentou que os acusados eram filhos de mãe indigna e que a maternidade não tinha a menor importância. Uma mãe, afirmou Apolo, não é mais que o sulco inerte onde o homem planta sua semente.

Dos treze deuses do júri, seis votaram pela condenação e seis pela absolvição.
Atena decidia o desempate. Ela votou contra a mãe que não teve e deu vida eterna ao poder masculino em Atenas.

Eduardo Galeano. Espelhos, p.34




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