Depressões: A mãe, o pai e o filho


Herta Müller
Prêmio Nobel 2009

  

Depressões (Niederungen), publicado em 1982, é a obra de estreia de Herta Müller. A atmosfera social é caracterizada pela ausência de amor, de alegria e de esperança. O convívio entre pai e mãe é tenso e rude, como se pode observar no suado e pungente conto “A mãe, o pai e o filho”. As histórias de Herta Müller tratam de um mundo vazio, em que viver é repetir, é envelhecer, é adoecer e esperar a morte. A percepção desse cotidiano desiludido é de uma concretude e precisão que lembram o estilo de Kafka. A cidade está impregnada de vazio, diz o conto “Os varredores de rua” que na profundidade dos significados descobre que o caminho foi varrido para longe. Viver sob os Ceausescus é viver na escuridão. Nas aldeias, o dia inteiro é escuro. Não amanhece e nem anoitece. Não há um alvorecer e nem um entardecer. O crepúsculo está no rosto das pessoas. Depressões não foi escrito para quem procura consolo ou palavras edificantes, pois incorpora a atmosfera ríspida e melancólica das sociedades vigiadas, expressa, com suas histórias tristes e nostálgicas, a linguagem do desterro. Apresentados como “contos”, os relatos de Herta guardam uma harmonia secreta e podem ser lidos, assim, como um romance autobiográfico.

FOLHA - Ela foi definida, durante o anúncio do Prêmio Nobel, como ‘alguém que, com a concentração da poesia e a franqueza da prosa, retrata a paisagem dos abandonados’.
MAZZARI - Esse segundo aspecto está ligado diretamente ao favorecimento dessa minoria alemã na Romênia. É o tema do romance ‘Der Fuchs war damals schon der Jäger’ [A Raposa Já Era o Caçador], sobre os problemas de uma professora perseguida pelo serviço secreto. Tematiza as dificuldades com o serviço secreto da Romênia e o espaço dos dissidentes, algo muito comum também na própria literatura alemã.

FOLHA - O sr. acredita que o Prêmio Nobel tende a privilegiar autores fora do grande mercado editorial?
MAZZARI - Neste caso, eu vejo [a premiação] como uma decisão de favorecer e chamar a atenção para uma vertente bastante significativa da literatura europeia, em particular da literatura alemã, que é uma literatura de minorias.         
                                                                                                (fonte:http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=559ASP002)

Para fundamentar a afirmação do professor da USP, Marcus Mazzari, " é uma literatura de minorias." , aponto aqui o conto “A mãe, o pai e o filho” que retrata a tensão e o vazio que podem constituir o convívio familiar. No conto, Herta Müller desconstrói o ideal de felicidade ligada à família - o pai, a mãe e o filho. As lembranças de férias nem de longe desenham semblantes felizes, ao contrário, mostram pessoas sofridas, melancólicas e sem esperanças, fadadas à opressão de uma convivência ríspida.

Por trás da aparente e segura estruturação familiar a melancolia toma conta da narrativa, o pai odeia a criança muito vermelha queimada pelo sol, desde o primeiro dia. Odeia o andar arrastado da mãe atrás de si. A criança, aos poucos, vai percebendo que a família não é tão feliz quanto deveria ser e que as férias também não serão. A tensão agora faz parte da narrativa, a criança chora, a mãe perde as chaves do quarto e vira a bolsa à procura, o pai fica enojado com a carteira sebenta, o etérno dinheiro amassado. A cena é seca, tensa e sufocante, descrita com linguagem também árida.

Por fim começamos a sofrer com a situação dos personagens numa solidariedade muda, cientes de que as coisas nem sempre são belas e felicidade não é dádiva bem distribuída. A desilusão, a frustração, a falta de perspectiva muitas vezes reduzem as pessoas a situações de cruel realidade. Ainda sim seguimos, o pai enterra o rosto no travesseiro e o mancha com a saliva durante o sonho, a criança diz no sonho o poema da festa de encerramento do jardim de infância e a mãe tricota - está tricotando as costas, a mãe está tricotando uma gola, a mãe está tricotando uma casa de botão na gola - já que não pode mudar ou tecer o seu próprio destino.

Angela Mendez

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Comentários

  1. A atmosfera dos textos de Herta Müller é densa quase irrespirável... Ela se torna genial ao conseguir nos remeter ao sentimento de desamparo, desesperança e caos que jamais seria possível experimentarmos de outra forma. Viva a Literatura!!!

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